Domingo, 27 de Fevereiro de 2011

Com Alma

Estacionou o carro na garagem e saiu compondo o casaco de fazenda vermelho que condizia na perfeição com as botas pretas de bico e cano alto. Fazia questão de andar sempre impecável, herdara isso de sua mãe.

Abriu a porta de casa, largou as chaves do carro e após tirar o casaco e as botas sentou-se exausta no sofá. Tinha sido um dia extenuante, não podia ter muitos mais assim. Levantou-se, achando que se continuasse sentada acabaria por sucumbir ao cansaço. Depois de um longo banho de imersão para descomprimir tomou uma refeição ligeira e já de pijama dirigiu-se calmamente para a sala de cores neutras e sedutoramente aconchegante. Sentou-se e ligou o portátil. Ia falando sozinha e suspirando... tabelas para preencher, papelada para entregar. Sentiu que aquele não era o momento, recusava-se a olhar para qualquer coisa que lhe lembrasse o trabalho. Tamborilou com a ponta dos dedos no computador acabando por tomar a decisão certa.

Clicou na Fábrica para ver o tema. Ainda não tinha tido tempo para o fazer e já estava mesmo no limite. Amava escrever, sentia-se completa quando o fazia... tinha a sensação que ao fazê-lo esquecia-se de um mundo frio e sem cor.

- Hum... Alma Gémea... - franziu o sobrolho.

Não estava de todo inspirada, ia escrever o quê, ou melhor, sobre quem? Alma Gémea... não tinha nenhuma de momento, no passado talvez. Continuou de sobrolho franzido e bem quietinha esperou que ela viesse. Nada. A malandra da inspiração andava a vaguear não sabia bem por onde.

Decidiu que não participaria. Não estava com cabeça para tal, muito menos com ideias. Fechou o portátil bruscamente e dirigiu-se à casa de banho. Olhou-se ao espelho e nele viu reflectida a imagem da mulher que era. Reparou no seu olhar sonhador e sorriu. Concentrou-se no sorriso...transparente como as águas límpidas de um rio. E pensou no que tinha ganho ao longo dos anos, ao longo da vida.

Por entre todos estes pensamentos começaram a surgir as palavras e as ideias sucediam-se em catadupa.

Saiu de rompante da casa de banho, ligou o portátil e achou com a sensatez que lhe era peculiar que não podia deixar fugir a inspiração.

Freneticamente começou a teclar.

 

 

Texto escrito para a Fábrica de Histórias

 


escrito por ónix às 21:00
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Quarta-feira, 16 de Fevereiro de 2011

Para ti

...e lembra-me também no teu sentir e no teu sonhar... lembra-me como uma carícia infinda, pois é assim que eu te vou lembrar... devagarinho e suavemente até o tempo consentir.

 

 

 

 

P.S. - Não te zangues. Depois da longa carta que te escrevi ainda ficaram algumas coisas por dizer, acho que acontece muitas vezes. Lê-a com toda a atenção, faz as paragens certas nas vírgulas, nas reticências e em cada ponto final. Tudo o que escrevi foram sentimentos  em forma de palavras adormecidas... aquelas que gostaria de te ter dito no passado. Absorve cada uma delas e cada frase também... ainda te lembras da minha letra?

Depois de a leres com toda a meiguice, se fores capaz, guarda-a no baú das tuas memórias, talvez um dia possamos falar sobre ela.

Sabes? Tenho um blog. Quem diria, logo eu, a escrever para quem quiser ler. Reptos foi o nome que lhe dei à nascença pois desde o início achei que cada post que fazia era um desafio. Se fores lá espreitar, verás debaixo do título uma das minhas frases favoritas  e que acabaste de ler no final da carta que tens nas mãos. Inspirei-me em ti.

Também tu tens um, soube-o por mero acaso do destino. De vez em quando vou lá perscrutar os teus desabafos, é superior a mim, nada posso fazer. Escreves bem, já alguém te disse?

Vou terminar, não te impacientes. Parece que te estou a imaginar "Com tanta lamechice ainda fico enjoado".

Só mais uma coisa e é a última, prometo.

Com tantas palavras escritas acabei por não te dizer o que sinto ou não sinto por ti, se te amo ou nem por isso.

Olha, meu querido, nem eu própria sei, apenas sei que o meu coração inquieto vai deambulando por aí, por  vezes longe, algures onde o amor e a ternura se confundem.

É mesmo o fim.

 

 Texto escrito para a Fábrica de Histórias

 


escrito por ónix às 21:01
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Sábado, 12 de Fevereiro de 2011

Era uma vez...

"Entardecia devagarinho na floresta de árvores centenárias e frondosas. A imensa humidade que se sentia fazia crescer altivos os cogumelos que ela colhia e colocava na cesta com todo o cuidado. Continuando curvada e após a cesta cheia dedicou-se à apanha de ervas de todos os sabores e feitios que utilizava para os seus chás milagrosos. Todos os dias recebia gentes da vila que se dirigiam à sua casa cuidada bem situada no coração da floresta. Iam em busca de cura para as maleitas de que padeciam. Depois de as apanhar e ao chegar a casa, colocava-as em saquinhos de papel pardo que comprava na vila distribuindo-os em cestas variadas para a venda quase diária que lhe dava o sustento.

Quem bebe aqueles chás fica curado, comentava-se na vila. Havia quem lhe chamasse curandeira, outros havia que lhe chamavam bruxa. Nunca fizera nada para que a rotulassem assim, era apenas a maldade a brotar da boca de quem não lhe queria bem. Não percebia porquê. Seria porque escolhera viver isolada na floresta que há tantos anos a acolhia? Ninguém sabia que o  fizera para esquecer um grande amor... e  apesar de tudo ainda não o esquecera. Esperaria por ele a vida inteira. Era o coração que lhe dizia.

Era amada por muitos, odiada por alguns. Aprendera a viver com aquela mágoa e assim seria até ao fim. Cumpriria o seu destino. No entanto não se sentia só, pois sabia que todos os dias alguém lhe bateria à porta com aquela devoção profunda de quem acredita na cura dos seus males.

A noite caiu densa na floresta de ervas mágicas. Pôs o xaile sobre os ombros e sentou-se na velha cadeira que descansava no alpendre. Da chávena que segurava na mão esguia fumegava um aroma que ajudava quem não dormia em paz, que ajudava quem ainda acreditava no regresso de um grande amor."

- Vô, ela não era bruxa pois não? Contas-me outra história de fadas e duendes?

E o avô com uma paciência infinda começou como começam todas as histórias... era uma vez...

 

Texto escrito para a Fábrica de Histórias

 


escrito por ónix às 00:36
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Quinta-feira, 3 de Fevereiro de 2011

Virar de página

Passou as mãos enrugadas pelo álbum que encerrava as fotografias da sua já longa vida. Acariciou-o com uma ternura infinda e quase a medo começou a folheá-lo devagarinho. Avançada na idade orgulhava-se da memória que ainda mantinha lembrando-se de pormenores e passagens da vida que era a sua. Não conseguiu evitar um sorriso aos rever as fotos da sua infância a preto e branco pois na altura, cor nem sonhá-la quanto mais vê-la. Continuou a folhear recordando os seus entes queridos na sua maioria já desaparecidos. Parou quando se lhe depararam as do seu casamento, um de muitos dias felizes da sua existência. Cerimónia de pompa e circunstância, afinal casara com o seu grande amor, homem de fortuna avultada. Vieram-lhe à memória as festas para as quais era sempre convidada, as viagens que dera pelo mundo fora, a casa maravilhosa que construíram para os dois. Aproveitara a vida até ao tutano, as suas mãos trémulas e cansadas continuaram a virar cada página amarelecida pelo tempo. Ia sorrindo e suspirando fixando o olhar em si mesma.

- Era mesmo bonita, eu... - murmurou com um orgulho desmedido ao contemplar a sua farta cabeleira negra cor de ébano que contrastava com os seus belos olhos verde mar.

Provocando grandes paixonetas nos homens da vila apenas via aquele grande amor que ainda era o seu.

As passagens de uma vida sucediam-se e fotografia após fotografia deparou-se-lhe aquela página em branco desprovida de qualquer recordação boa, indigna de qualquer perdão. Mudando a expressão, o seu olhar tornou-se baço e sombrio e uma vontade imensa de gritar apoderou-se da sua alma aflita. Manteve o álbum inerte no colo e sentiu as forças desvanecerem. Há muito que arrancara as fotos daquela página e do seu coração. E lembrou-se dela no meio do turbilhão que era agora o seu pensamento... Sofia. Sua amiga desde sempre, não resistira aos encantos do Pedro. E ele não se fizera rogado.

Sentiu a chave na porta. Limpou a lagrimita num ápice, fechou o álbum com violência e ergueu a cabeça num gesto altivo.

- Já cá estou, querida... está um frio na rua!

Pedro beijou-lhe a fronte com ternura e abraçou-a sentando-se a seu lado.

Vozes roucas e enlouquecidas ecoavam na sua cabeça para que lhe perdoasse. Perdoar? Perdoara-lhe a vida inteira.

E as vozes insistiam para que esquecesse. Esquecer? Em tempo algum.

O álbum escorregou-lhe do colo caindo pesado no chão. Da página em branco gargalhadas de escárnio envolveram-na deixando-lhe o corpo gélido como o vento cortante que rugia lá fora.

 

 

Texto escrito para a Fábrica de Histórias

 


escrito por ónix às 22:25
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