Passou as mãos enrugadas pelo álbum que encerrava as fotografias da sua já longa vida. Acariciou-o com uma ternura infinda e quase a medo começou a folheá-lo devagarinho. Avançada na idade orgulhava-se da memória que ainda mantinha lembrando-se de pormenores e passagens da vida que era a sua. Não conseguiu evitar um sorriso aos rever as fotos da sua infância a preto e branco pois na altura, cor nem sonhá-la quanto mais vê-la. Continuou a folhear recordando os seus entes queridos na sua maioria já desaparecidos. Parou quando se lhe depararam as do seu casamento, um de muitos dias felizes da sua existência. Cerimónia de pompa e circunstância, afinal casara com o seu grande amor, homem de fortuna avultada. Vieram-lhe à memória as festas para as quais era sempre convidada, as viagens que dera pelo mundo fora, a casa maravilhosa que construíram para os dois. Aproveitara a vida até ao tutano, as suas mãos trémulas e cansadas continuaram a virar cada página amarelecida pelo tempo. Ia sorrindo e suspirando fixando o olhar em si mesma.
- Era mesmo bonita, eu... - murmurou com um orgulho desmedido ao contemplar a sua farta cabeleira negra cor de ébano que contrastava com os seus belos olhos verde mar.
Provocando grandes paixonetas nos homens da vila apenas via aquele grande amor que ainda era o seu.
As passagens de uma vida sucediam-se e fotografia após fotografia deparou-se-lhe aquela página em branco desprovida de qualquer recordação boa, indigna de qualquer perdão. Mudando a expressão, o seu olhar tornou-se baço e sombrio e uma vontade imensa de gritar apoderou-se da sua alma aflita. Manteve o álbum inerte no colo e sentiu as forças desvanecerem. Há muito que arrancara as fotos daquela página e do seu coração. E lembrou-se dela no meio do turbilhão que era agora o seu pensamento... Sofia. Sua amiga desde sempre, não resistira aos encantos do Pedro. E ele não se fizera rogado.
Sentiu a chave na porta. Limpou a lagrimita num ápice, fechou o álbum com violência e ergueu a cabeça num gesto altivo.
- Já cá estou, querida... está um frio na rua!
Pedro beijou-lhe a fronte com ternura e abraçou-a sentando-se a seu lado.
Vozes roucas e enlouquecidas ecoavam na sua cabeça para que lhe perdoasse. Perdoar? Perdoara-lhe a vida inteira.
E as vozes insistiam para que esquecesse. Esquecer? Em tempo algum.
O álbum escorregou-lhe do colo caindo pesado no chão. Da página em branco gargalhadas de escárnio envolveram-na deixando-lhe o corpo gélido como o vento cortante que rugia lá fora.
Texto escrito para a Fábrica de Histórias
De
Ametista a 4 de Fevereiro de 2011 às 12:09
Minha querida ónix,
Ao ler-te senti um arrepio na pele.. fez-me lembrar antepassados nossos..
Estou muito feliz por continuares a participar na Fábrica.. não pares de escrever, porque os teus sentidos são mágicos e a tua escrita envolve profundamente..
Que dizer mais, a não ser que amei cada palavra, cada momento que me fez voltar atrás no tempo e imaginar os momentos que descreves..
Adorei a história.. adoro-te a ti, manuska..
Beijinhos mil :)
De
ónix a 5 de Fevereiro de 2011 às 21:20
Tanto elogio faz-me ficar toda vaidosa mas sinceramente não gosto muito do que escrevi. A inspiração andou por aí a vaguear... mas olha, já está.
Depois comento a tua... essa sim, merece aplausos de pé, como diria a menina Quimera.
Beijinhos,mana
De SDaVeiga a 4 de Fevereiro de 2011 às 22:27
Muito bonito, Ónix!!!
Tocante...
De
ónix a 5 de Fevereiro de 2011 às 21:22
Estava precisamente a dizer a Ametista que esta semana não me inspirei o suficiente... mas se gostaste, claro que só posso ficar feliz. Depois passo para ler a tua... de momento estou com problemas no meu computador...vim aqui um bocado à pressa aceitar e responder aos vossos comentários.
Abraço
De Raquel a 5 de Fevereiro de 2011 às 22:34
Tens uma escrita maravilhosa, adorei mesmo. Parabéns!
De
ónix a 6 de Fevereiro de 2011 às 02:08
Obrigada, Raquel
É sempre gratificante alguém gostar do que escrevemos.
De
Natacha a 6 de Fevereiro de 2011 às 21:47
Um álbum de fotografias (da era pré digital) é precisamente como um livro, apenas com uma diferença, as palavras não estão escritas, mas quantas vezes as imagens valem por mil palavras e contam histórias de lembranças e memórias queridas, ou nem tanto!? Neste caso, as tuas palavras ilustraram na perfeição esta página em branco!
Um beijinho
De
ónix a 7 de Fevereiro de 2011 às 21:10
Olá Natacha
Bem verdadeiras as tuas palavras... esta fábrica de histórias é mesmo um repto. Estou a gostar muito de participar. Já tatuei a tua página em branco.
Abraço
De
Cláudio a 8 de Fevereiro de 2011 às 12:52
Que existam sempre esses álbuns de memórias, palpáveis ou não, para que possamos
folheá-los sempre que houver desejo ou necessidade!
De
ónix a 8 de Fevereiro de 2011 às 22:59
Viva, Cláudio
Fico contente por passares... ainda não tive tempo de espreitar o teu post para a fábrica.
Mas sabes,às vezes folhear esses álbuns não me fazem muito bem. Falo por mim.
De
onda_azul a 8 de Fevereiro de 2011 às 21:45
Olá Por vezes damos por nós a folhear albuns antigos e recordar coisas do passado, umas mais recentes outras nem por isso. Umas recordações boas e outras nem tanto. Páginas de vida que perduram na nossa memória para sempre.
Beijinhos
De
ónix a 8 de Fevereiro de 2011 às 23:09
Bonitas as tuas palavras, onda
Eu nem sempre gosto de" folhear" recordações antigas... fazem-me mal.
Que estejas bem.
Bjinhos
De
onda_azul a 8 de Fevereiro de 2011 às 23:21
Pois as recordações más fazem sempre mal ao coração, mas espero que as recordações boas te façam sorrir
Beijinhos
De
ónix a 8 de Fevereiro de 2011 às 23:25
Com as boas fico sempre assim
Bjinhos
De
magnolia a 9 de Fevereiro de 2011 às 11:21
Parece-me que é a primeira vez que comento...e espero não atrapalhar:) Gostei muito, sente-se o que ela sentiu...:)
Um beijinho
De
ónix a 9 de Fevereiro de 2011 às 22:23
Olá magnolia
Atrapalhar??? Pelo contrário, fico muito feliz por teres gostado. Passa sempre que quiseres!!
Beijinhos
De
Cláudio a 10 de Fevereiro de 2011 às 00:44
Bem, visto por esse ângulo, tens toda a razão!...
De
ónix a 10 de Fevereiro de 2011 às 22:38
Abraço
Já fizeste melhor, e tu sabes. Ainda assim...
Bom fds para ti! Bjões!
De
ónix a 12 de Fevereiro de 2011 às 00:33
Sei,sei... mas foi o que saiu. Como te sentes hoje?? Melhor, espero.
Beijinhos grandes
Mais uma estória com a tua impressão digital.
Continua a escrever que nós adoramos.
Beijinhos
De
ónix a 16 de Fevereiro de 2011 às 23:42
Olá viajante sem tempo
As tuas palavras confortam... obrigada.
Bjokinhas
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