- Não te mexas, mantém esse olhar e essa expressão... vou lá acima buscar a máquina para te tirar uma foto. Estás tão linda, meu amor.
E levantaste-te num ápice e eu tive de sorrir achando que naquele instante estragara o momento e a expressão. Quando me olhaste já de pé fizeste cara de amuado e voltaste a sentar-te.
- O que é que querias, achas que era capaz de manter a mesma expressão durante tanto tempo? Vá lá, não fiques triste comigo... - murmurei baixinho fixando-me naqueles olhos negros que me enfeitiçavam sempre que os olhava.
Alheios às pessoas que entravam e saíam do café naquele quase anoitecer de uma noite de Verão algures a norte, estávamos nós dois, sentados numa mesa circular encostada à parede. Fizemos promessas de amor eterno, lembras-te? Como se tal fosse possível.
Ainda hoje recordo este momento como se fosse de agora... e já passou tanto tempo. Tenho saudades de ti, de vez em quando padeço deste síndrome se é que lhe posso chamar assim.
Nunca mais voltei à cidade que nos acolheu nesse Verão algures a norte, só sei que tem um rio de águas mansas onde ficaram eternizadas promessas e juras de um amor imenso.
Depois de tantos anos voltámos a ter uma conversa banal de café que me fez pensar que não devia ter desistido de ti. São mesmo assim as conversas de café e então quando são fora de horas...foi ínsipido o meu lutar por ti mas o senhor orgulho interferiu e eu deixei-te ir livre de tudo. Qando a conversa acabou, a conversa de café que tivémos passados tantos anos, sentei-me nos degraus de um lugar qualquer, puxei de um cigarro, o derradeiro, e um turbilhão de ideias cruzadas e confusas invadiu a minha mente sedenta de paz. E voltaram os porquês sem resposta, ao fim e ao cabo na vida são mais os porquês que as respostas para eles. Quando acabei o cigarro espezinhei-o com o bico da bota porque a minha vontade era o tempo e perguntar-lhe porquê. Perguntar-lhe o que fez de mim, perguntar-lhe o que fez de ti, perguntar-lhe o que nos fez a nós. Aposto que não tinha resposta para tantos porquês num só.
Mas deixemo-nos de lamentações. Brindemos a mais um ano que se aproxima e vamos beber champanhe e comer passas e mais aquelas coisas todas que fazem parte. E que se aproveite o momento.
Quisera silenciar as vozes do mundo, encostar a cabeça ternamente no teu ombro e ler-te os pensamentos em segredo!
E a gargalhada desprendida de ti quebrou a ternura do momento.
Voltei a abrir o móvel da sala e voltei a pegar com todo o cuidado na caixinha de madeira onde dormem tranquilamente as tuas cartas. Desta vez li-as todas uma por uma e deixei as gargalhadas fluirem. É impossível ler o que escreveste no passado sem rir com aquela vontade espontânea. Não sei quanto tempo estive assim, apenas sei que quando voltei a guardá-las as risadas que invadiram o meu espaço deram lugar à nostalgia. Não gosto nada de sentir saudades. Levantei-me num ápice, pus a roupa mais bonita que encontrei, calcei os melhores sapatos e não, não pintei os lábios de vermelho, saí para a rua e dirigi-me ao parqueamento. Entrei no carro e olhei para os três cd's inertes em cima do banco e entre Iron Maiden, The Sisters of Mercy e Reamon decidi-me pelo último. E com a música em decibéis mais p'ro alto que p'ro baixo, palmilhei alguns kilómetros sem saber bem por onde andei. Senti-me livre e com forças para continuar. Ao regressar a casa respirei fundo e interiorizei que a vida é fácil de viver... há sim que saber aproveitá-la até ao tutano e viver os momentos que nos fazem felizes ainda que sem sabermos.
Há atitudes na vida que me ferem lentamente, há palavras proferidas na vida que me fazem doer e há momentos na vida que me fazem tombar. Ergo-me sempre, altiva e cheia de força para recomeçar. Como as árvores. Dizem que morrem de pé.
Gosto de ser como sou, mas há momentos na vida em que não queria ser eu.
São apenas momentos... fugazes e enganadores.