Hoje fui a casa da minha mãe que fica na avenida que tem castanheiros, que tem um jardim com flores multicores, que tem uma pérgula com bancos de pedra que convidam a carícias infindas, que tem um rio onde se banham imponentes os patos que vão grasnando e deslizando na mansidão das águas.
Sentei-me nos degraus da entrada da casa da minha mãe e observei a paisagem. As folhas dos castanheiros nos seus tons amarelo e acastanhado baloiçavam ao sabor da brisa e por entre gemidos e murmúrios iam caindo tristes e acabrunhadas.
Invadiu-me uma melancolia que me é peculiar. Bem sei que é esta a estação inspiradora de pintores e poetas, mas eu não gosto. Pressinto o frio que se aproxima e as chuvas que me atormentam.Não gosto do cheiro da terra molhada, não gosto da paisagem fria e cinzenta e gosto ainda menos das folhas secas e estaladiças caídas aos montes pelo chão.
Definitivamente não sinto grande afeição pelo Outono. Fico plena de nostalgia e não gosto de me sentir assim.
Hoje entrei numa ourivesaria para comprar um relógio. Tive de imediato uma empatia por um swatch de metal em tons de branco com uma bracelete de aço inoxidável com elos igualmente brancos. Experimentei-o e fiquei desapontada... demasiado largo mas logo o dono me acalmou dizendo que os elos se tiravam de maneira a ficar ajustado ao pulso. Acedi, o senhor enfaixa a bracelete num suporte de plástico p'ro efeito e começa a martelar suavemente... e o meu coração a ficar inquieto. Como aquilo não estava a resultar, as marteladas começaram a soar mais fortemente. "Pois... parece que isto não dá"- disse, e as marteladas sucediam-se agora mais fortes. Parte-se o suporte de plástico, vai-se buscar outro."Vamos experimentar do outro lado" - tinham que se retirar dois elos de cada lado.Martela e desta vez é bem sucedido. Encaixa os elos e volta ao lado teimoso. E eu a ficar angustiada. "Se calhar não devia ter comprado"-balbuciei. Mais marteladas. "Não se preocupe.Isto vai ficar bem". Aproxima-se a mulher que vai olhando de soslaio e comenta "Não se rale, ele vai conseguir. Não é amor"? Ao ouvir a expressão sorri para dentro. Achei invulgar, nos dias de hoje. As marteladas continuavam e eis que salta um ganchinho que as prendia, p'ro lado de cá do balcão. Apanho-o, entrego-lho e o coração a bater com mais força.Entra um sujeito na loja e pede à senhora um relógio da montra. Pega nele e observa e eu observo-o a ele para me abstrair. Nem queria acreditar, nunca tal me tinha acontecido. Diz o sujeito que entrou na loja "Quero oferecer este relógio à minha mulher, mas a bracelete... não sei... e se fica larga"? Olhei disfarçadamente, era uma bracelete tipo pulseira com fecho e sem elos, não dava para alterar.E vejo-o assim como quem não quer a coisa, a olhar p'ra mim."Não tarda muito está a pedir-me para experimentar o relógio"- pensei. Bem dito bem feito e mais uma ou duas marteladas."A sra. não se importa de experimentar? É que o seu pulso é mais ou menos como o da minha mulher" Claro que disse que sim e o coração acelerado por causa das marteladas. Lá experimentei, ficava bem. Agradeceu. Esbocei um sorriso forçado e nervoso. Oiço então o dono..."Já está,estava difícil." E o coração acalmou. Experimentei... impecável e sem efeitos secundários. A mulher aproximou-se. "Vês,amor? Eu sabia que ia correr bem". Desta vez sorri abertamente, devido à expressão e à sensação de alívio. O dono notou e comentou "Não sei bem o que está a pensar, mas não somos casados. Somos irmãos". "Ahhh! Pois... que giro." Não me saiu mais nada... os nervos tinham tomado conta de mim.E ele continuou "Chama-me assim desde sempre e não consegue livrar-se do termo." Voltei a sorrir. "Acho muito bem. É bom sinal"- disse. Paguei e saí. Eles a rir talvez por serem simpáticos e porque lhes comprei um relógio e eu a rir pela expressão e pelo apaziguar do meu coração.
A vida é tão fugaz... e consome-me tantas vezes a pergunta "será que valeu a pena"? Valeram a pena as lágrimas choradas a doer, as palavras que fizeram magoar, a ruptura de um amor maior?
Não, não valeu a pena. Sei que já vivi muitas vidas e muitas outras vou viver, mas é nesta que exijo ser feliz. Tarde demais. Será? É que agora o tempo, na verdadeira essência da palavra, corre atrás de mim com gargalhadas embriagadas de vitória, vencendo-me assim, tão facilmente.
E quando eu morrer, que seja!... De preferência bem velhinha, na minha cama quentinha, a sorrir e a sonhar !
Será que me é permitido?